31 agosto 2003

Labregos

Estive umas semanas fora, de férias, no Algarve. Foi bom descansar. Foi muito bom estar longe dos filhos da puta do meu trabalho. Foi muitíssimo bom esquecer por uns dias toda a merda que tenho de aturar. Mesmo assim, continuo a não conseguir encontrar um tema, um tema que fosse, mesmo simples, para conviver com estes merdas.

Começa a ficar mais frio. Não na rua. Frio na minha relação com as outras pessoas. Não consigo assumir nenhuma situação de compromisso com alguém. Não quero assumir. Pode ser cobardia e desculpa, mas não quero. Não suporto mais ter de me responsabilizar por outra pessoa. Nem consigo suportar a existência de outra pessoa. Quero continuar assim, sem nada, sem ninguém que me incomode. Quero decidir sem me preocupar com consequências noutra pessoa. Não ter de me preocupar com a receptibilidade nas outras pessoas. Gosto do frio entre mim e as outras pessoas, gosto de o sentir oprimir a arrogância dos outros. Frio que queima qualquer possibilidade, qualquer vontade, de relacionamento.

Os meus dedos estão a ficar presos, a dor torna-se cada vez mais insuportável. Insisto. Tenho de insistir. Faz-me falta os dedos. Posso os cortar, aliviando a dor com a sua ausência. Posso os queimar com ácido, anulando assim a sensibilidade, atrofiando os músculos. Mas sei se o fizer, não vou poder mais tocar no teu corpo. Sentir a tua aproximação longiqua, que me aquece e perturba.

Estou com sono, o que me torna mais lento, no momento em que deveria, sacudindo, estar atento a todos os teus movimentos. Tens vontade? Eu não. Porquê? Não sou capaz de te dizer, não sou. Se gosto? Porque perguntas? Sim, sei que estou muito lento, lento e calmo. É assim tão mau? Não gostas que te aprecie calmamente? Queres te ir embora? Vai. Porque hesitas? Não quero saber. Não te esqueças de me riscar do imaginário. Cala-te. Estou cansado de te ouvir. Tchau.

Na estrada entre Penacova e Lorvão, morreu atropelado um indivíduo de 59 anos, viuvo, sem filhos. Era tido na sua aldeia como um indivíduo pacato e trabalhador. Familiares e amigos choram e lamentam a sua morte. Segundo consta na freguesia, o mesmo era possuidor de uma fortuna imensa.

Ontem, durante a noite, senti um vazio. O estômago apertava, provocando-me uma dor, vazio. Levantei-me, quatro vezes, sem saber o que fazer para apagar o vazio. Andei da sala para o quarto, do quarto para a sala do computador, desta para a cozinha e depois para a sala. Abri a janela, espreitei, não vi ninguém, nenhum carro passou. Sai. Fui para o quarto. Chateei-me, fui ligar o computador. Net. Gajas nuas, pornografia. Chateei-me. Desliguei o computador e fui para a casa de banho. Sentei-me na sanita. Fui à cozinha e tentei comer algo para preencher o vazio do estômago. Enganei-me. Não consegui acabar com a minha dor. Falta-me alguém na minha existência. Alguém para discutir, alguém para detestar e apreciar. Alguém para abraçar e esquecer nos momentos mais importantes. Alguém que não seja só alguém. Não só para conversar e suar em todos os lugares, não só para nada e para tudo completar. Só alguém que me alivie o estômago.

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