20 agosto 2003

Estou a trabalhar

A aborrecer-me com tudo. A odiar todos. Não me reconheço neste lugar, nesta merda de lugar. Estúpidos. Todos estúpidos, sem excepção. Não consigo encontrar nada de realmente interessante nestas pessoas com quem trabalho. Desprezo-os. Não consigo conversar, nem encontro assunto algum, com estes merdas. Mães estúpidas... Estúpidas por acreditarem que o aborto é um crime. Contra deus. Estúpidas. Se este fosse um estado de direito, a justiça deveria julgar e punir estas estúpidas. Sei que devo ter algumas opções, fugas desta coisa que vivo, mas, cobardemente, não saio daqui. Não consigo esquecer as minhas desculpas. Estou agarrado a elas, não por necessidade como vulgarmente me desculpo, mas porque não tenho coragem e vontade própria para sair e viver todo o meu eu, em pleno.


Entro para o carro e ligo a ignição. Baixo os vidros. Vidros eléctricos. Engato a primeira e acelero. Procuro a placa indicadora. Viro. Esquerda. Segunda à direita. Paro. Sinal vermelho. Foda-se, o bófia está a olhar demasiado para mim. Vai-me multar, de certeza. Os filhos da puta não gostam de mim. Não acredito neles. Não lhes reconheço qualquer credibilidade, não enquanto agentes de uma autoridade falhada. Autoridade desautorizada por mérito próprio. Sinal verde. Continuo a minha viagem. Primeira placa a indicar Espanha. Cento e qualquer coisa, quilómetros para a fronteira. Devagar para apriciar o vento que entra pelas janelas do carro. Janelas com vidros eléctricos. Mantenho uma velocidade quase constante, sempre a sentir a alegria produzida pelo desejo de chegar rapidamente à fronteira. Não fujo. Só tenho que sair do meu lugar, este lugar habitual, sem nada de novo para me motivar a ficar. Não sei o que faço. Nem o que farei para lá da fronteira, longe do meu espaço habitual. Sem referência para mim. Continuo a viagem, sempre com as janelas abertas.


Encontrei, não me recordo em que dia, um antigo colega meu, tempo de tropa, algarvio. Perguntei-lhe como estava a vida dele. Pergunta de social, arrependi-me. Disse que corria tudo bem com ele, casado, dois filhos, carro de ultimo modelo, esposa de sucesso, sogros fantásticos, emprego não muito estável mas mesmo assim sem problemas financeiros, uma casa perto da praia com uma vista para o oceano, de inveja, equipada com as melhores marcas, roupa de prestigio, amigos não muito bons mas bem colocados, pelo menos na junta de freguesia da sua residência, um cão caríssimo e bem alimentado, um aquário no quarto dos putos, telemóvel topo de gama, portátil, enfim tudo o que não tenho, felizmente. Três messes e qualquer coisa depois, suicidou-se.


Que merda, estou a trabalhar...

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