30 julho 2003

Incoerente.
Ou seja lá o que me chamas-te. Mesmo que isso seja eu, o que tens tu com isso? Sou eu, mesmo que não concordes, mesmo que não seja conveniente para ti. O calor é intenso demais para mim. Começo a desesperar. Tens, de certeza, vontade de que eu, apesar de tudo, esteja aqui ao teu lado? A desmotivação da minha criatividade provoca-me desejos e tristezas. Tu realmente incomodas-me muito quando falas comigo. Vou-me embora. Quero-te. Tenho os pés na água e as mãos nos bolsos. Merda. Porque insistes em me chamar assim, dessa maneira? Adoro o teu calor? Dá-me a tua mão, outra vez, mesmo que seja por carinho.


Sou branco e sou descriminado. Não o sou por ter sida ou três pernas, nem mesmo porque possa ter visões do futuro, ou falar com fantasmas, mesmo os meus, do passado. Podia ser descriminado por tendências sexuais, desviantes ou não, por homosexualidade ou misturas raciais. Por zoofilia em público. Podia ter sexo com tipas africanas, mas não, não gosto delas, prefiro especiarias orientais. Sou descriminado por não sentir a minha cidadania adormecida. Por não aceitar explicações óbvias do que não é óbvio nem para me sentir confortávelmente integrado na sociedade. Não aceito explicações como regras de convivência social. Sou descriminado porque sou branco. Branco com opinião. Simples opinião.


Os meus dentes quebram-se. Não sei quanto tempo mais vou poder aguentar estas dores.


Tenho de entender tudo o que me acontece. Necessito de me explicar, numa tentativa fraca. O porquê? Sou eu. Assim. Não quero, não me interresa nada, saber se tudo à minha volta pode aceitar-me, assim.


Rasguei a pele num agrafo. Não senti dor. Só calor. Talvez do sangue que escorreu da mão, caindo no desenho que, esventrando o papel, construo no meu cérebro. Rasguei a carne por ter insistido, por prazer, no golpe involuntário. Não sei se devo rasgar o desenho que estou a fazer. Talvez não. Vou continuar a golpear o papel. Criar rasgos na sua superficie, deixando marcas negras. Tinta. Tinta negra. Tinta negra misturada no sangue escuro que escorre da minha mão. Tiro o agrafo que me rasga a pele, com a violência necessária. Coloco-o em cima da borracha, verde, ao lado da garrafa. Poderei guardá-lo como recordação. O frio começa a percorrer o meu corpo. Tenho de rasgar a pele de novo, para me aquecer.


Tentei mais uma vez saber como definir a vontade, esta vontade, de te desejar, sem cair num lugar vulgar e gélido. Talvez pudesse saltar para uma outra dimensão, sempre agarrado ao vazio, para descobrir uma noção diferente de ti. Tentação desgraçada. Tempo rasgado e desbravado, onde posso habitar, com as minhas mãos suadas no teu corpo.


Se pudesse sentar-me no teu tempo, chorava.