Mil obrigados aos editores e à família. Milhões de obrigados a Hugo Tiago, Leonor Pinela e Paulo Gonçalves, honra de ser vosso amigo.
O Pepe
Atualmente desempenho funções de ajudante autorizado
de notário, e estava a trabalhar num cartório quando recebi o convite para
escrever um texto sobre o Pepe.
Imaginem um tipo que, ainda adolescente, tenha estado
numas festas com o Jim Morrison, e anos depois, prosseguindo uma carreira no
ramo segurador, é convidado para escrever sobre o líder dos “The Doors”.
É que foi um pouco assim que eu me senti, perante a
perspetiva de escrever sobre uma figura dionisíaca como é o Pepe. Ou seja: eu
estava lá, e até li Aldous Huxley, mas agora sou um burocrata.
Mas não passou de um ataque de autocomiseração, que
acabei por ultrapassar.
E, indo direito ao que interessa, pensei em resumir a
coisa em duas frases curtas:
1) O
Pepe apresentou-me a obra de Ray Bradbury (Crónicas Marcianas, na coleção
Caminho de Bolso);
2) Razão
pela qual estou profundamente agradecido.
Caso estas referências não representem grande coisa
para vós, queridos leitores, “Ray Bradbury”, “Crónicas Marcianas” ou a “Coleção
Caminho de Bolso”, não se preocupem.
Mas, por favor, depois de lerem este livro, leiam
outros: estão a precisar de ler mais!
Enfim, mas isto não diria grande coisa ao público em
geral, mesmo explicando que o que quero dizer com isto é que o Pepe agarrou num
miúdo inculto e inexperiente (e imberbe!) e mostrou-lhe que livros ler, que
música ouvir e que filmes ver (a ante-estreia do “La Bamba” na Cinemateca é
matéria para a mitologia urbana).
Ainda assim, talvez ajude se for explicado que a
realidade dos anos 80 era um pouco diferente.
O êxodo rural dos anos 60, agravado com o contingente
de retornados de 74/75, deixou a grande Lisboa cheia de jovens sem grandes
referências sociais, num país pobre e pequenino. Caso não percebam de que é que
estou a falar, faço notar que no final dos anos 70 deram-se tumultos graves no
liceu de Oeiras, apenas porque era Carnaval.
Era difícil comprar discos, os filmes estreavam com
meses de atraso, a imprense estrangeira vendia-se em Lisboa apenas em dois ou
três pontos (Rua do Arsenal, Aeroporto e pouco mais).
Lembro-me de ver um debate na televisão sobre a
violência no audiovisual, a propósito da estreia do Rocky IV e da apresentação
do teledisco (sim, era assim que se designava) do “Undercover of the Night” dos
Rolling Stones.
Por essa altura tínhamos o presidente da Camara de
Lisboa a ameaçar com violência nas ruas se fosse estreado o último filme do
Godard (Je Vous Salut, Marie!).
Era um país diferente para nós, que ainda pudemos
conviver com o Carlos Paião e com o António Variações (alguém se lembra do
António como personagem de Banda Desenhada?).
E neste panorama existia um farol de vitalidade
artística, a António Arroio.
Escola de ensino artístico, por onde passou toda a
gente que importa (é excessivo, eu sei, mas não se pode falar da António Arroio
de outra maneira).
E eu tive o gosto de entrar na António Arroio com o
Pepe (uma espécie boémia de irmão mais velho).
E de o acompanhar pelo Bairro Alto (Bartis), pela
Tertúlia BD (Chico Carreira, no Parque Mayer) e pelo Clube Português de Banda
Desenhada (em Benfica, na altura). Estava com ele quando estiveram cá autores
como Bilal e Christin, J. C. Mezieres e Boucq.
Numa época em que os Capitão Fausto são confundidos com
Fausto Bordalo Dias, importa dizer que não havia necessidade de tanto
esquecimento, e para, em 40 anos, estas memórias e estas vivências não estarem
a ser mais partilhadas e revisitadas.
E o Pepe é uma memória viva da cultura urbana da
nossa cidade, que ainda não nos deu o melhor de que é capaz.
E queria terminar deixando aqui uma grande saudação a
um homem que, mesmo sem conhecer o Lester, já assinava Del Rey muitos anos
antes da Lana.
Hugo Tiago
Hugo Tiago
“Estou farto desta terta toda!”, lê-se num auto retrato que o PepeDelRey fez num dos meus diários gráficos, durante uma exposição de banda desenhada no antigo Fórum Picoas. Este desenho, gralha incluída, para mim resume o Pepe: directo, franco, sem papas na língua, também sem se levar demasiado a sério.
Juntou-nos a António Arroio, o desenhar compulsivamente, o cinema, a banda desenhada. Nessa altura o Pepe já fazia banda desenhada, tinha um estilo definido, enquanto nós andávamos à procura da identidade, a experimentar materiais. O Pepe também experimentava, mas estava uns passos à nossa frente, e sabia tudo de BD!
Traço limpo, nem realista nem caricatural, reconheço sempre os desenhos do Pepe, os sujeitos e objectos representados, a sua personalidade molda-os num estilo gráfico próprio. As histórias põem-me alerta e fazem-me rir, fazem-me questionar o mundo ao nosso redor, espicaçam a imaginação.
A António Arroio, o desenho, o cinema e a banda desenhada ainda nos unem, é uma honra, Sr. Pepe!
Leonor Pinela
Pepe? Pedro?
Nao interessa o nome, ele divide-se em
multiplas personalidades, é uma extensao daquilo que desenha e nao o inverso.
Se existe algo que sei do Pepe e dos anos
em que partilhamos os minutos de muitos dias e incontaveis noites é que nao é possivel
dar-lhe um rotulo, o Pepe apenas nao se encaixa em nada do que possamos pensar,
essa e sem duvida a sua grande virtude, um constante do inconstante e
observador atento daquilo que nao vemos.
O Pepe, O Pedro estara sempre do lado do
mais fraco e descriminado, a sua obra e uma bandeira dessa sua luta intensa e
silenciosa contra poderes instalados, demagogos e opressao em todas as suas
formas, os falsos moralistas nao tem lugar na sua mesa.
O nosso caminho cruzou-se em 1986 na Escola
de Artes Decorativas Antonio Arroio e a paixao comum pela Banda desenhada (e
miudas giras) levou-nos a juntarmo-nos ao Clube Portugues de Banda Desenhada
onde desenvolvemos inumeras accoes, com a montagem de exposicoes e a promocao
da BD Nacional
O Pepe liderou a criacao de inumeros
fanzines e trouxe novos talentos para se juntarem aquilo que queriamos que
fosse uma revolucao da BD em Portugal.
Trabalhamos juntos em diversas empresas por
onde passamos, desde fotografia publicitaria, a pos-producao video e
audiovisuais, eramos inseparaveis.
Continuamos inseparaveis,
Um forte abraco do teu amigo
Paulo Goncalves (Batata)
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