Copyright das imagens por ordem: Pepedelrey; Jorge Coelho; Rui Gamito; Rui Lacas
Texto do Pedro Vieira Moura publicado no seu lerbd.blogspot.com sobre esta BD:
Um dos mitos mais constantes nos círculos da banda desenhada é o do “autor completo”, isto é, de um autor individual que está na base da criação (e controlo) da “sua” obra, desenhando, escrevendo-a, etc. O primeiro problema desse mito está no facto de que este último “etc.” engloba várias actividades que permitem e levam à existência da própria obra (o seu suporte físico, pelo menos) e que não foram da responsabilidade do autor. O formato, por exemplo, de uma edição, pode alterar a percepção e fruição de uma obra (vejam-se as edições de Le Journal de mon pére de Taniguchi, ou as edições francesa e a norte-americana de L’Ascension de l’Haut-Mal de David B.) Outros pormenores são também fundamentais, e bastaria apontar a colorização dos álbuns em França, que não é feito pelos autores, e que muitas vezes faz ou não emergir importantes matizes de uma “personalidade” da obra final, como exemplo. O segundo problema desse mito é que parece servir de deíctico suficiente de qualidade. Ora, isso não é verdade. E seria ridículo tentarmos aqui apontar ou listar obras que nasceram de trabalhos de colaboração, quatro mãos ou de funções separadas, ou até mesmo de ateliers, e que atingem, de modo satisfatório ou de excelência, a mestria, a fluidez, a legibilidade, a arte, a completude, enfim.Serve isto como introdução ao presente livro pois parece-me não estar em erro que estamos perante um modo de produção que não é muito, se de todo, comum no nosso país. Fruto do trabalho de um atelier, mas sem com isso apontar a uma qualquer espécie de taylorização, este é um livro cuja força criativa, não obstante uma certa cadeia de eventos ou de razões, não recai sobre uma só pessoa. A história e conceito é de uma pessoa (Pepedelrey), que foi transformada na narrativa organizada por outra (Nuno Duarte), depois desenhada por quatro artistas (Pepedelrey, JCoelho, Rui Gamito e Rui Lacas), traduzida para inglês com algumas transformações textuais (eu próprio) e tudo apresentando num pacote de design “slick and smooth” (Sérgio Duque). E ainda existem projectos de animação e de música associados ao projecto. Mas todas estas etapas – tirando a tradução, claro – foram seguramente discutidas entre todos os intervenientes para chegar ao objecto final, que é o livro, que é o texto d’“A Viagem da Virgem”.Tratando-se de uma história que se encaixa segura e facilmente na “ficção científica”, está mais próxima de um trabalho adulto que se encontraria nas histórias curtas Metal Hurlant francesa que qualquer outro tipo de produção. A utilização de todos os elementos que fazem reconhecer esse “género” é, porém, para levar de imediato para outras paragens: estamos perante a discussão de dois companheiros, entre a obsessão de um deles por uma mulher, a qual, como alguém já disse, reescreve o conceito de “mulher-objecto”, e a busca do seu comparsa em entender essa obsessão transformando-a sua e pervertendo-a, não sem antes se repor a ordem desequilibrada. É admirável como a utilização de três artistas, de traços diversos mas que ganham alguma osmose por conviverem num mesmo espaço, e seguindo técnicas e efeitos de cor idênticos, se plasma com a história que está a ser contada, com as etapas dessa história, provocando um sentimento de estranheza, ou até de desconfiança, como diz David Kino, à entrada do livro. O formato oblongo, a vinheta por página (fora certas excepções inventivas), o amarelo-torrado e ocres contrastando com as escalas de cinzentos e os pretos brilhantes, as relações dos textos com os silêncios, e dos mesmos com os desenho, fazem de Virgin’s Trip um gesto algo inusitado neste país, sem preconceitos nem presunções, mas conseguido e que pode servir de lição a quem sofre de inércia... As várias exposições já tidas e a elaborar mostram também um interesse e um domínio existentes, ou nascentes. O facto de estar em inglês é uma estratégia comercial que espero ser de sucesso. Mas só o tempo o dirá, já que os esforços dos autores e editores são reais.
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