Pravda
No outro dia enviaram-me uma cópia de um artigo publicado no jornal Pravda. O texto estava assinado por um russo que reside em Portugal à 25 anos. Bom, é realmente engraçado saber como vê um cidadão qualquer, mesmo residente em terras tugas, este cantinho tão estúpido que tanto amamos. Como não me apetece estar a escrever seja o que for, sobre este adorável texto, copiei-o e colei-o, mantendo o direito de divulgar a opinião dos outros, em liberdade e respeito pela independência do pensamento de todos os Homens.
PORTUGAL: PESSIMISMO E PEDOFILIA
São dois os principais problemas de Portugal: os poucos pessimistas
profissionais, que passam a vida a contaminar o resto da população, e uma
governação inadequada, ineficiente, ineficaz e fora de contacto com a realidade
no país. Que Portugal e os portugueses têm inegáveis qualidades, não hajam
dúvidas. Não é por nada que Portugal é um país independente e a Catalunha, a
Bretanha, a Escócia e a Bavária o não são. Não é por nada que o português é a
sétima língua mais falada no mundo, à frente do alemão, do francês e do
italiano. No entanto, estas qualidades precisam de ser cultivadas por quem foi
eleito para liderar e dirigir o país. O que acontece é que nem agora, nem por
muito tempo, Portugal tem tido líderes dignos do seu povo, capazes de liderar a
nação, realizar os projectos que foram escolhidos para realizar. O resultado é
uma onda de pessimismo, no meio dum mar de desemprego, desinteresse e
desorientação que serve de combustível para a economia emocional não funcionar,
aquela economia que é tão importante quanto a economia das quotas de oferta e
procura. A consequência é uma retracção não só da economia mas também do psique
da sociedade, com uma introversão patológica a manifestar-se no escrutínio
colectivo do umbigo nacional, ou um pouco mais abaixo. A não-história da
pedofilia, já uma psicose nacional, é um belíssimo exemplo de até onde pode
chegar uma sociedade quando nem é orientada nem estimulada a pensar em
horizontes mais saudáveis.
Há mais que um ano, a imprensa portuguesa regurgita a história do abuso sexual
de meninos do orfanato/escola Casa Pia, apontando nomes sonantes da vida pública
que nem têm lugar aqui, visto que até ser provado ao contrário, uma pessoa numa
sociedade civilizada, é considerado inocente.
Na busca de quem foi ou quem não foi, deu origem ao levantamento na praça
pública duma lista substancial de nomes do mundo artístico, desportivo, e
político, aos mais altos níveis. Não é a causa do pessimismo em Portugal, mas
espelho dele. A noção que "nós não prestamos, somos os coitadinhos da Europa e a
alta sociedade é podre" se ouvia nos finais dos anos 70, desapareceu e com a não
governação do primeiro ministro José Barroso, voltou. Está tangível, quanto mais
para um estrangeiro que ama e estuda este país há 25 anos. Outra manifestação
deste pessimismo é a negatividade ao nível das conversas nos cafés (inaudíveis
nos claustros de cristal onde pairam os governantes do país) acerca dum evento
que a priori é a melhor hipótese que Portugal alguma vez tem tido para se
projectar na comunidade internacional ? o Euro 2004. O Euro 2004 é o ponto
desportivo mais alto na história quase milenar de Portugal. É um dos três mais
vistos eventos televisivos no mundo e é uma excelente oportunidade de enterrar
de vez a falácia que Portugal é uma província espanhola. Mas o que é que
acontece?
Enquanto o resto da Europa se prepara com entusiasmo para o Campeonato da Europa
em Futebol, se ouve em Portugal por todo o lado que os estádios não estão
preparados, ou que não são seguros, ou que os aeroportos não estão adequados ou
que vai haver problemas com hooliganismo ou com terrorismo. Disparate! Ou pior,
uma vergonha, por quem perpetua este tipo de lixo que se chame notícias por aí.
Para começar, os estádios estão tão prontos que já se joga futebol neles.
Segundo, as normas de segurança têm de obedecer a rigorosíssimas normas de
controlo estipuladas pela inflexível UEFA. Terceiro, os aeroportos têm dos
sistemas mais avançadas de controlo de tráfego aéreo, total e completamente
integrados nos da União Europeia e mais, os adeptos não vão todos chegar no
mesmo dia, nem todos de avião. Quarto, quando os bilhetes foram vendidos na
Internet, foi consultada a base de dados proferida pelas forças policiais dos
países presentes no Euro 2004. Quinto, Portugal é alguma vez um alvo para
ataques terroristas, desde quando? Só se fossem as FP-25 de Abril.
Porém, onde estão as autoridades a explicarem a verdade, a estimular a
população, a instilar o optimismo, não só para o Euro 2004 mas para galvanizar a
economia, a liderar o país? Exactamente onde estiveram, estes ou outros, quando
os interesses dos portugueses estavam a ser vendidos por um preço barato, o que
levou gradualmente à situação actual em que uma família portuguesa gasta
substancialmente mais do seu ordenado em necessidades básicas do que no resto da
Europa. Não se admite que num supermercado espanhol, se encontram exactamente os
mesmos produtos bem mais baratos do que em Portugal, não se admite que no Reino
Unido o cesto básico de alimentos custa bastante menos, quando se ganha cinco,
seis ou sete vezes mais. Há duas semanas, vi três restaurantes no centro de
Londres com a cartaz "Comam o que quiserem por £5.45 - 9 Euros, ou um pouco
menos". Os portugueses gastam uma fatia tão grande do seu ordenado em
mantimentos fundamentais que não há capital disponível para os serviços,
restringindo a economia a um modelo básico e muito primário. Se bem que Portugal
é um país pequeno, também é a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos, o
Luxemburgo, a Suiça, a Irlanda. Estes países têm um plano de médio e longo prazo
e nestes países ganham os lugares de destaque pessoas competentes e devidamente
qualificadas e formadas. Em Portugal, o plano é ganhar as próximas eleições,
ponto final. O que acontece depois? Há uma onda laranja (PSD - Actual gov) ou
cor-de-rosa (PS - gov anterior) a varrer o país e ocupar todos os quadros altos
e médios, seja em ministérios, em faculdades, em firmas, até em hospitais.
O grande plano é, quanto muito, de quatro anos, o que explica a pequenez de
pensamento e a falta de visão personalizada por uma ministra das finanças que
trata a economia do país como se fosse uma dona de casa maníaca, que, munida com
uma tesoura gigante, tenta transformar um lençol de cama de casal numa bata para
uma boneca diminuta? Corta, corta, corta. O resultado disso tudo é o que se vê:
desempregados à espera de desemprego durante largos meses, não semanas, sem
receberem um tostão do governo que elegeram para os proteger.
Quão conveniente por isso que o país fale de pedófilos e não da economia, do
emprego, da falta de poder de liderança deste "governo" PSD/PP, da ausência duma
cariz democrático, ou social, ou popular, da ausência do contacto ou calor
humano destes, que foram eleitos para proteger seus cidadãos. O que fizeram?
Absolutamente nada. Lamentaram que o país era um caos, e calaram-se. Então, onde
estão as políticas de salvação? Portugal está, e por muito tempo tem sido,
liderado por uma argamassa de cinzentos incompetentes que venderam os interesses
do país irresponsável e negligentemente para fora. Portugal precisa de quem
tenha o brio e a chama suficiente para incendiar a paixão do povo deste país
lindo, desta pérola do Atlântico, de ajudá-lo a ir ao encontro dos seus sonhos,
acreditar em si, redescobrir as suas consideráveis qualidades e colocar Portugal
num lugar de destaque entre a comunidade internacional. O leitor pode apontar
quem tenha feito isso nos últimos anos? O José Barroso está a fazê-lo? Caso
contrário, se não descobrir, e rapidamente, quem for competente para governar
este país, os projectos audazes e brilhantes, que vão de mãos dadas com o
espírito e a alma portuguesa, como por exemplo a EXPO 98 e a EURO 2004, ambos
com uma gestão excelente e uma preparação de que poucos países se poderiam
gabar, perder-se-ão no mar de lamúria de assola Portugal. Francamente, a
paciência dos que tanto lutaram para fazer qualquer coisa deste rectângulo
atlântico, começa a esgotar-se. Já que gostam de dizer que quem não está bem
deve mudar-se, começa a ser uma excelente ideia.
Timothy BANCROFT-HINCHEY
Director e Chefe de Redacção
PRAVDA.Ru Versão portuguesa
14 junho 2004
08 junho 2004
04 junho 2004
Caquinha, não posso escrever merda, por isso ...
Alguém, recentemente, criticou este blogue porque está cheio de palavrões. Eu não admito que me critiquem. Foda-se. Não gosto que digam mal de mim. Merda. Eu não sou ordinário, só sou um tipo mediano, superior a todos os outros, com os vícios mundanos e tarado sexual. Porra. Eu sou um deus, o único que vocês deveriam adorar. Foda-se. A merda é a única coisa que se mantém igual desde o princípio dos tempos.
Alguém, recentemente, criticou este blogue porque está cheio de palavrões. Eu não admito que me critiquem. Foda-se. Não gosto que digam mal de mim. Merda. Eu não sou ordinário, só sou um tipo mediano, superior a todos os outros, com os vícios mundanos e tarado sexual. Porra. Eu sou um deus, o único que vocês deveriam adorar. Foda-se. A merda é a única coisa que se mantém igual desde o princípio dos tempos.
01 junho 2004
Por principio.
Sem o compromisso necessário, retribuo o afecto que me ofereces-te. Não assumo nenhuma pressão, um voltar atrás, nem mesmo uma imagem em formato de recordação, sobre mim ou sobre o que eu fui para ti. Solto a vontade de continuar, agarrando a tua semelhança com as nuvens, virando sempre para o lado mais errado possível. Como se a brisa pudesse mentir ao meu ouvido, todas as estórias contadas, entre nós, em momentos alternados, mãos e pés, cruzados em união. O estado alienado de todo o meu ritmo, compassado, permitiu que tudo, o meu todo, em todo o tempo, pudesse dizer-te com a liberdade verdadeira, o espaço nada físico, vazio, sem a energia que todo o nosso tempo foi usada na colagem do nós, como se fosse o eu no plural. É curioso como sem saberem, algumas pessoas referem um ponto comum, uma assinatura típica da minha instabilidade. É curioso como todas essas pessoas dizem, que engraçado, o rosto de todas as tuas mulheres no papel, é sempre um rosto com a mesma expressão. Pode ser. Pode não ser. Não sei se realmente é. Não sei. Por vezes elas até são, um rosto, o mesmo rosto, a marca de um momento real e marcante, como se rasgassem as minhas veias, uma depois da outra, lentamente, recolhendo o meu sangue, para assinarem o teu nome no meu imaginário. Morro. Célula atrás de célula. Memória atrás de memória. Os teus beijos. Os teus desejos. Morro. Abraço-te com carinho, amor perdido.
Sou teimoso? Foda-se, e depois, não posso? Não posso ter as minhas certezas e defende-las? Mesmo que ninguém concorde, mesmo que tudo seja diferente, diferente do comum, de todos os outros? Foda-se, tenho de gostar de azul como tu? Estou errado em gostar de misturar o azul com verde, ou menos azul que todos os azuis que vocês usam? Não me sinto bem se tiver que usar o gosto dos outros, que me oprimem. O Eduardo Beauvalet diz que sou irreverente. Pois, deves ter razão, mas mesmo assim, porque não posso ser? Foda-se, já escrevi muitos foda-se, não foi? Então, foda-se, vão todos para o caralho. Pronto. Palhaços.
A vida que eu já vivi. Pois, pois. Vê, que até eu volto todas as manhãs, sempre igual.
Incúria. Masturbação de ansiedade. Nunca sem vir tarde. Como de nunca quem eu fui, nem tarde demais nem sem me ver com pressa, mesmo até chegar sem desistir. Procurando, sem largar, onde ela me deixou, tempo quebrado, o oxigénio terminado e queimado.
Reciclagem, o caralho. Morte às cidades. Lixo na tromba desses burgueses da treta, armados em gentalha com responsabilidades para com o mundo. Vão cavar batatas, seus urbanoides da treta. Caixotes de merda, pulgas existencialistas. Queres ecologia, foda-se, não poluas o ar com o teu tabaco da merda, os teus peidos de merda acumulada.
No interior, nocturno, sem possibilidades de descobrir luzes de referência, nunca perco as gentes que me encaminham. Caminhos de terras reconhecidas, calcadas pelos meus passos, que me conduzem a espaços determinados pelas minhas necessidades reais. Sem pregões. Nem pregas no meu olhar. Abraço o mar de lágrimas derramadas depois das mortes que senti, na minha negra existência. Cruzo o olhar com a indicação que tenho de seguir, sempre atrás de qualquer que seja o teu, a tua, o sempre, seguir-te num bairro que existe sem nunca o reconhecer. Com ternura, no meu olhar, minto-te. Sem coordenadas, sentes a tristeza da mentira que tem de ser, de que realmente tem de existir no meu discurso. Queixas-te com razão ou não tens razão de te queixar, sentindo a imaginação além do nosso horizonte sem principio nem fim, mal eu te minta carinhosamente? Aquela árvore agarra-me ternamente, ancora plantada na minha frente, pelas minhas mãos, pela educação conservadora, a minha.
A morte, a doce morte que a minha Avó escolheu. Contra a moral, falsa, a sua moral falsa e católica, num estado laico apodrecido com as suas entranhas expostas. A morte, a doce morte que abraçou a minha Avó na sua escolha.
Algures entre mim, agora, e o que já fui, passado ainda marcante, encontra-se o que sempre deveria ter sido. Por uma lógica menos conseguida, uma compressão de forças direccionadas para o meu caminho, traçado, definido anteriormente, não por mim enquanto feto mas por todos os que me arrancaram da ignorância amada. Não consegui ser o definido, não me permiti ser o que me foi definido, por ter de conseguir ir sem voltar para essa ignorância passada. Família, valores valiosos que desconheço sempre, ao longo do tempo que corre num dia. Se tudo faz sentido, significado? Para mim, sim. Sempre teve sentido o que fiz. O que os outros pensaram que seria, não sei, imagino. Mas sempre senti que os valores que desconheço constantemente, explodem como cataratas de água cristalina como o sangue, sempre me habituei a senti-los, são importantes para o clarear do caminho que desconheço e percorro.
Porra, lá está o sacana do Pepe a falar dele. Sempre ele e o seu umbigo.
No bairro. Amélia, jovial e de vestido verde pálido, caminha com sedução pela rua onde moro. Abre a porta do seu prédio, em frente do meu, chegada de não sei que sitio, com a mão esquerda. Na outra mão, leva um saco plástico branco, manchado, parece sangue, que pousa cuidadosamente no chão lavado e a cheirar a maçãs. Dobra o corpo de bons atributos, abre o saco. O vestido, típico vestido de mulher segura dos seus quereres, solto, translúcido, deixa-me aperceber o desenho das pernas da Amélia. Perturbado, afasto-me da janela, dirijo-me à cozinha. Abro a porta do congelador, o frio relaxa-me. Penso na minha pequena perversão, sorrio da minha cumplicidade. Amélia sabe que estou sempre à janela, na janela de frente para o seu prédio, sempre na mesma hora, no mesmo instante. Conhece a minha motivação, voyeur, o calor que tenho sempre que vejo o seu caminhar na minha rua, no nosso espaço comum. Provoca-me. Volto à janela, e a Amélia, com movimento de fêmea felina no cio, pernas afastadas como se estivesse a procurar o equilíbrio necessário para prolongar o meu desejo, retira do seu saco de plástico, um objecto que não percebo. Roda a cabeça, olha-me através do vidro, queima-me os olhos, reboliça o meu sangue, mostra-me o que tem na mão. Assustado como um puto apanhado de surpresa na sua primeira punheta, afasto-me da janela. Escondo-me na minha sombra, projectada na parede do fundo da sala. Cobarde, fiquei todo suado. Muito devagar, aproximo-me da janela, espreito. Merda, a Amélia já lá não está. Sou mesmo estúpido. Não consigo olhar, fixo, directamente nos olhos de uma mulher.
Estou cansado. Muito cansado. Não consigo contar mais estórias, inventadas e vividas.
Ouve, podes apagar as luzes? Estou a ficar cego. Além disso, dói-me muito a cabeça. Espera, não falas assim tão alto. Vou chamar um táxi. Quero sair de casa e viajar. Mesmo que seja num carro, quero viajar. Falta-me esse bem estar que sempre obtive no viajar. Como é, já apagas-te as luzes? Todas as luzes que me incomodam? Vá, não me chateies com essas perguntas parvas, apaga as luzes que quero sair. Vá, deixa-me. Eu voltarei, sei que voltarei. O táxi já está à espera lá embaixo na rua. Onde pus o meu dinheiro? Ah, está aqui. Bom. Dá-me um beijo, adeus.
Parado, torcido, podre, embrutecido, sozinho, cego, desprezado, revoltado, morte, regresso, fim.
Sem o compromisso necessário, retribuo o afecto que me ofereces-te. Não assumo nenhuma pressão, um voltar atrás, nem mesmo uma imagem em formato de recordação, sobre mim ou sobre o que eu fui para ti. Solto a vontade de continuar, agarrando a tua semelhança com as nuvens, virando sempre para o lado mais errado possível. Como se a brisa pudesse mentir ao meu ouvido, todas as estórias contadas, entre nós, em momentos alternados, mãos e pés, cruzados em união. O estado alienado de todo o meu ritmo, compassado, permitiu que tudo, o meu todo, em todo o tempo, pudesse dizer-te com a liberdade verdadeira, o espaço nada físico, vazio, sem a energia que todo o nosso tempo foi usada na colagem do nós, como se fosse o eu no plural. É curioso como sem saberem, algumas pessoas referem um ponto comum, uma assinatura típica da minha instabilidade. É curioso como todas essas pessoas dizem, que engraçado, o rosto de todas as tuas mulheres no papel, é sempre um rosto com a mesma expressão. Pode ser. Pode não ser. Não sei se realmente é. Não sei. Por vezes elas até são, um rosto, o mesmo rosto, a marca de um momento real e marcante, como se rasgassem as minhas veias, uma depois da outra, lentamente, recolhendo o meu sangue, para assinarem o teu nome no meu imaginário. Morro. Célula atrás de célula. Memória atrás de memória. Os teus beijos. Os teus desejos. Morro. Abraço-te com carinho, amor perdido.
Sou teimoso? Foda-se, e depois, não posso? Não posso ter as minhas certezas e defende-las? Mesmo que ninguém concorde, mesmo que tudo seja diferente, diferente do comum, de todos os outros? Foda-se, tenho de gostar de azul como tu? Estou errado em gostar de misturar o azul com verde, ou menos azul que todos os azuis que vocês usam? Não me sinto bem se tiver que usar o gosto dos outros, que me oprimem. O Eduardo Beauvalet diz que sou irreverente. Pois, deves ter razão, mas mesmo assim, porque não posso ser? Foda-se, já escrevi muitos foda-se, não foi? Então, foda-se, vão todos para o caralho. Pronto. Palhaços.
A vida que eu já vivi. Pois, pois. Vê, que até eu volto todas as manhãs, sempre igual.
Incúria. Masturbação de ansiedade. Nunca sem vir tarde. Como de nunca quem eu fui, nem tarde demais nem sem me ver com pressa, mesmo até chegar sem desistir. Procurando, sem largar, onde ela me deixou, tempo quebrado, o oxigénio terminado e queimado.
Reciclagem, o caralho. Morte às cidades. Lixo na tromba desses burgueses da treta, armados em gentalha com responsabilidades para com o mundo. Vão cavar batatas, seus urbanoides da treta. Caixotes de merda, pulgas existencialistas. Queres ecologia, foda-se, não poluas o ar com o teu tabaco da merda, os teus peidos de merda acumulada.
No interior, nocturno, sem possibilidades de descobrir luzes de referência, nunca perco as gentes que me encaminham. Caminhos de terras reconhecidas, calcadas pelos meus passos, que me conduzem a espaços determinados pelas minhas necessidades reais. Sem pregões. Nem pregas no meu olhar. Abraço o mar de lágrimas derramadas depois das mortes que senti, na minha negra existência. Cruzo o olhar com a indicação que tenho de seguir, sempre atrás de qualquer que seja o teu, a tua, o sempre, seguir-te num bairro que existe sem nunca o reconhecer. Com ternura, no meu olhar, minto-te. Sem coordenadas, sentes a tristeza da mentira que tem de ser, de que realmente tem de existir no meu discurso. Queixas-te com razão ou não tens razão de te queixar, sentindo a imaginação além do nosso horizonte sem principio nem fim, mal eu te minta carinhosamente? Aquela árvore agarra-me ternamente, ancora plantada na minha frente, pelas minhas mãos, pela educação conservadora, a minha.
A morte, a doce morte que a minha Avó escolheu. Contra a moral, falsa, a sua moral falsa e católica, num estado laico apodrecido com as suas entranhas expostas. A morte, a doce morte que abraçou a minha Avó na sua escolha.
Algures entre mim, agora, e o que já fui, passado ainda marcante, encontra-se o que sempre deveria ter sido. Por uma lógica menos conseguida, uma compressão de forças direccionadas para o meu caminho, traçado, definido anteriormente, não por mim enquanto feto mas por todos os que me arrancaram da ignorância amada. Não consegui ser o definido, não me permiti ser o que me foi definido, por ter de conseguir ir sem voltar para essa ignorância passada. Família, valores valiosos que desconheço sempre, ao longo do tempo que corre num dia. Se tudo faz sentido, significado? Para mim, sim. Sempre teve sentido o que fiz. O que os outros pensaram que seria, não sei, imagino. Mas sempre senti que os valores que desconheço constantemente, explodem como cataratas de água cristalina como o sangue, sempre me habituei a senti-los, são importantes para o clarear do caminho que desconheço e percorro.
Porra, lá está o sacana do Pepe a falar dele. Sempre ele e o seu umbigo.
No bairro. Amélia, jovial e de vestido verde pálido, caminha com sedução pela rua onde moro. Abre a porta do seu prédio, em frente do meu, chegada de não sei que sitio, com a mão esquerda. Na outra mão, leva um saco plástico branco, manchado, parece sangue, que pousa cuidadosamente no chão lavado e a cheirar a maçãs. Dobra o corpo de bons atributos, abre o saco. O vestido, típico vestido de mulher segura dos seus quereres, solto, translúcido, deixa-me aperceber o desenho das pernas da Amélia. Perturbado, afasto-me da janela, dirijo-me à cozinha. Abro a porta do congelador, o frio relaxa-me. Penso na minha pequena perversão, sorrio da minha cumplicidade. Amélia sabe que estou sempre à janela, na janela de frente para o seu prédio, sempre na mesma hora, no mesmo instante. Conhece a minha motivação, voyeur, o calor que tenho sempre que vejo o seu caminhar na minha rua, no nosso espaço comum. Provoca-me. Volto à janela, e a Amélia, com movimento de fêmea felina no cio, pernas afastadas como se estivesse a procurar o equilíbrio necessário para prolongar o meu desejo, retira do seu saco de plástico, um objecto que não percebo. Roda a cabeça, olha-me através do vidro, queima-me os olhos, reboliça o meu sangue, mostra-me o que tem na mão. Assustado como um puto apanhado de surpresa na sua primeira punheta, afasto-me da janela. Escondo-me na minha sombra, projectada na parede do fundo da sala. Cobarde, fiquei todo suado. Muito devagar, aproximo-me da janela, espreito. Merda, a Amélia já lá não está. Sou mesmo estúpido. Não consigo olhar, fixo, directamente nos olhos de uma mulher.
Estou cansado. Muito cansado. Não consigo contar mais estórias, inventadas e vividas.
Ouve, podes apagar as luzes? Estou a ficar cego. Além disso, dói-me muito a cabeça. Espera, não falas assim tão alto. Vou chamar um táxi. Quero sair de casa e viajar. Mesmo que seja num carro, quero viajar. Falta-me esse bem estar que sempre obtive no viajar. Como é, já apagas-te as luzes? Todas as luzes que me incomodam? Vá, não me chateies com essas perguntas parvas, apaga as luzes que quero sair. Vá, deixa-me. Eu voltarei, sei que voltarei. O táxi já está à espera lá embaixo na rua. Onde pus o meu dinheiro? Ah, está aqui. Bom. Dá-me um beijo, adeus.
Parado, torcido, podre, embrutecido, sozinho, cego, desprezado, revoltado, morte, regresso, fim.
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